terça-feira, 19 de outubro de 2010

Sobre a nossa pobre e covarde militância gay


Tenho visto muita gente reclamar da militância gay e da forma discreta - ou totalmente ausente- com que vem reagindo aos ataques conservadores que vem acontecendo recentemente contra os nossos direitos . A reação - se é que está havendo alguma - está sendo vergonhosa, é verdade. Mas acho que as críticas à militância precisam ser mais generosas.
Participei de ONGs gays por um tempo e o que pude perceber é que a classe média não se envolve. Ficamos em nossos consultórios, escritórios, gabinetes - a imensa maioria levando uma vida enrustida - fingindo que nada temos a ver com o que está acontecendo.
Quem milita mesmo, mostra a cara, enfrenta parlamentares homofóbicos, corre atrás de formas de pagar o aluguel da ONG, são gays pobres que muitas vezes só tiveram acesso ao ensino público até o nível médio ou nem isso. Pessoas sem nenhum acesso à informações mais sofisticadas.
Fora que nunca há uma mobilização verdadeira da comunidade gay, e isso inclui a classe média e os ricos. Quando o PLC 122/06, por exemplo, vai a votação os pastores evangélicos levam figurantes para se manifestar contra. Nós, que precisamos ir por conta própria, não aparecemos por lá. Qual a imagem que isso passa aos parlamentares que iriam votar um projeto polêmico e depois ter que responder aos eleitores sobre o voto dado?
O nível da militância que temos é reflexo da ausência dos gays ricos, mestres, doutores e profissionais liberais que adoram ficar na internet, no conforto do ar condicionado, criticando a ignorância e os erros dessa militância despreparada, que espelha tão bem nosso país.
É chato, é frustrante, mas nós temos que explicar às pessoas que união civil não é o mesmo que casamento, que casamento não é só religioso, que presidente também pode legislar e que leis que tenham apoio da bancada governista são as que têm reais chances de aprovação. E temos que explicar isso todo dia, muitas vezes. E temos que repetir. E repetir com outras palavras, com termos mais simples, com metáforas. Temos que repetir em várias mídias, e sem cansar. Isso se quisermos que algo mude no Brasil.
Nos Estados Unidos, onde a militância é invejável, os gays milionários fazem doações e deixam heranças para o movimento, financiam prêmios, montam abrigos para gays pobres e sem estudo, dão bolsas de estudo. Os altos cargos das ONGs contratam no mercado profissionais com currículos irretocáveis.
Nossa militância é péssima, pobre, ignorante, covarde, dependente de doações do governo. Mas isso, infelizmente, é tão culpa nossa quanto deles.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Presidente faz leis?


O debate eleitoral trouxe à tona uma dúvida que vem gerando muitas discussões nas redes sociais. Quem pode apresentar leis? Só o Poder Legislativo (senadores e deputados)? Ou o presidente da República, o Executivo, tem algum poder nesse sentido?
O texto abaixo esclarece a questão:
Como são feitas as leis?

Em nível nacional, além dos legisladores propriamente ditos (senadores e deputados) e do presidente da República, podem apresentar leis o Supremo Tribunal Federal, os Tribunais Superiores, o procurador-geral da República e os cidadãos.
Emenda à Constituição
A elaboração das leis federais é regulamentada em dez artigos da Constituição Federal(do artigo 59 ao artigo 69). As leis mais difíceis de serem aprovadas, as emendas constitucionais, que modificam a Constituição, podem ser encaminhadas pelos parlamentares federais (deputados e senadores), desde que a proposta tenha o apoio de no mínimo um terço de seus colegas, seja na Câmara dos Deputados ou no Senado Federal. Também o presidente da República tem o poder de encaminhar uma PEC ao Congresso.
Uma PEC também pode ser apresentada pelo conjunto de pelo menos 14 das Assembléias Legislativas dos 26 Estados e do Distrito Federal (que tem o nome de Câmara Legislativa). Cada uma delas, porém, tem de aprová-la antes, pela maioria relativa de seus membros. A maioria relativa, também conhecida por maioria simples, é a maioria dos votos dos deputados presentes.
Leis ordinárias
A iniciativa para propor leis complementares e ordinárias pode partir de qualquer membro ou comissão do Congresso Nacional, como também do presidente da República, do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores, do procurador-geral da República e dos cidadãos.
Nesse último caso, os projetos são considerados de iniciativa popular e precisam ser apresentados na Câmara com assinaturas de pelo menos 1% do eleitorado nacional (aproximadamente 1,35 milhão de votantes), distribuído pelo menos por cinco Estados, com no mínimo 0,3% dos eleitores de cada um deles. O projeto da Ficha Limpa foi aprovado pelo Congresso Nacional após ter sido apresentado como de iniciativa popular.
Projetos que só o presidente pode apresentar
Existem projetos de lei que são de competência privativa do presidente da República, ou seja, só o presidente pode legislar sobre esses assuntos.
São eles os projetos que fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas ou que disponham sobre criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como o aumento de sua remuneração; que tratem do regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva de militares das Forças Armadas, entre outras.
Medidas provisórias
O presidente da República também legisla por meio das Medidas Provisórias (MPs). Uma vez publicadas, as MPs passam a ter valor de lei ainda que precisem, em prazo determinado, ser confirmadas pelo Congresso Naiconal.
As medidas provisórias só podem ser usadas "em caso de relevância e urgência". A Constituição proíbe a edição de MPs que tratem de nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos, direito eleitoral, direito penal, direito processual penal e direito processual civil; organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; e planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, entre outros assuntos.
As MPs precisam ser examinadas pelo Congresso em prazo de 45 dias de sua publicação, quando a proposta entra em regime de urgência, trancando a pauta da Casa em que estiver tramitando.
Urgência
Se for matéria de grande interesse, o presidente da República pode pedir urgência no exame da proposta pelo Congresso. A Constituição estipula ainda que os projetos de lei de iniciativa do presidente da República, do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores terão início na Câmara dos Deputados. Somente o presidente da República, entretanto, pode solicitar urgência para apreciação de seus projetos. Cada Casa passa a ter então 45 dias para examinar a matéria. Após esse prazo, impede a tramitação de outras matérias.
Vetos
O presidente pode também vetar, ou seja, impedir que passe a valer, uma lei aprovada pelo Congresso. O presidente pode vetar a lei aprovada pelo Congresso Nacional no todo ou em parte, por considerá-la inconstitucional ou contrária ao interesse público, em um prazo de 15 dias após seu recebimento. Tem mais 48 horas para comunicar ao Parlamento os motivos do veto.Decorridos 15 dias do recebimento sem que o presidente se pronuncie, a lei é considerada sancionada e promulgada pelo presidente do Senado.
O veto pode, porém, ser derrubado pelo Congresso e assim tornar-se efetivamente lei. O veto deve ser apreciado em sessão conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em prazo de até 30 dias após seu recebimento. Para derrubar o veto são necessários os votos da maioria absoluta de Deputados e Senadores, em escrutínio secreto. A maioria absoluta é a metade mais um dos votos em cada casa. Necessita, portanto, dos votos de 258 deputados e 41 senadores.
Leis delegadas
As leis delegadas são elaboradas pelo presidente da República depois de devidamente autorizado pelo Congresso Nacional.

Essa é uma versão reduzida do texto publicado pela Agência Senado.

E, mais que tudo, existimos e resistimos

Queremos casar. Fazemos abortos. Mudamos de sexo.
Amamos viados. Mulheres são nosso ideal.
E, mais que tudo, existimos e resistimos.

Luiz Mello - Pesquisador do Ser-Tão e professor da Universidade Federal de Goiás

Quando adolescente, no final dos anos 70, uma das máximas da resistência ideológica de minha geração era um trecho de poema atribuído ao russo Maiakovski, mas que é de Eduardo Alves da Costa. Intitulado No caminho com Maiakoviski, em um trecho diz assim: “Na primeira noite eles se aproximam / e roubam uma flor / do nosso jardim. / E não dizemos nada. / Na segunda noite, já não se escondem; / pisam as flores, / matam nosso cão, / e não dizemos nada. / Até que um dia, / o mais frágil deles / entra sozinho em nossa casa, / rouba-nos a luz, e, / conhecendo nosso medo, / arranca-nos a voz da garganta. / E já não podemos dizer nada”. Creio que é hora de dizermos:

SOMOS LÉSBICAS, TRAVESTIS, GAYS E TRANSEXUAIS. SOMOS MULHERES E FAZEMOS ABORTOS. REIVINDICAMOS ACESSO IGUALITÁRIO AO CASAMENTO, À UNIÃO ESTÁVEL, AO DIVÓRCIO, À INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL, À BARRIGA DE ALUGUEL, À ADOÇÃO. QUEREMOS TER DOIS PAIS HOMENS OU DUAS MÃES MULHERES. SOMOS CATÓLICOS-AGNÓSTICOS-UMBANDISTAS-EVANGÉLICOS-ATEUS E ESTAMOS EM TODOS OS LUGARES.

Não há nenhuma necessidade real de pertencermos a qualquer desses grupos ou de desejarmos usufruir qualquer dos direitos que lhes são negados. O fundamental é ter a clareza de que não se trata apenas de uma ameaça à cidadania e mesmo à sobrevivência física de pessoas homossexuais, travestis, transexuais e de mulheres heterossexuais, embora a garantia de seus direitos humanos seja um imperativo absoluto. Num nível além das aparências mesquinhas, o que está em jogo é algo precioso para todas as pessoas, por serem princípios fundamentais da vida democrática: a laicidade do Estado, a liberdade e autonomia dos indivíduos, a garantia da igualdade na esfera pública.
Agora são as mulheres e os segmentos LGBT os alvos do desejo de morte física e simbólica dos que se auto-intitulam representantes da única concepção aceitável de vida e de humanidade. Amanhã continuarão a ser eles, concretamente expulsos de seus trabalhos e perseguidos rua afora, por termos feito abortos ou por amarmos um igual... Depois de amanhã, ... poderá ser qualquer um que se torne o o(a)bjeto da ira dos intolerantes seguidores de um deus inventado para justificar uma lógica perversa de manutenção de privilégios, para os de sempre: machos-dominantes-heterossexuais e os que com eles se macomunam. Basta olhar quem são os donos do poder e quem ocupa majoritariamente os espaços de decisão política de nossa sociedade – nos poderes legislativo, judiciário e executivo, nas igrejas, no tráfico de drogas, na estrutura policial, etc.
Não sei se é lenda, mas há alguns anos ouvi uma história incrível: quando os nazistas invadiram a Dinamarca, não conseguiram prender grande número de gays e lésbicas, diferentemente do que ocorreu em muitos outros países durante a segunda guerra mundial. Antes que as prisões se tornassem um fato irremediável, centenas de milhares de dinamarqueses começaram a usar voluntariamente em suas roupas o símbolo do triângulo rosa invertido, empregado por nazistas para identificar homossexuais nos campos de concentração. A solidariedade foi a fonte da resistência. Não é à toda que muitos anos depois a Dinamarca tornou-se o berço dos direitos conjugais de lésbicas e gays na contemporaneidade.
Apenas por muito pouco estamos hoje distantes das mãos dos que se sentem no direito de dizer quem deve e quem não deve viver – e como viver -, seja por razões de Estado, seja por razões religiosas. Isso é inaceitável. Quando um grupo de pessoas se vê na iminência de perder direitos de cidadania e humanos por terem se tornado o bode expiatório da vez, toda a estrutura democrática da convivência humana está ameaçada. Num momento em que o machismo homofóbico é nitroglicerina pura e o combustível ideológico das igrejas nas disputas de poder relacionadas a um projeto de sociedade que nega direitos sexuais e reprodutivos a grupos específicos, um caminho de resistência talvez seja dizermos que somos tod@s ess@ outr@ que querem calar, castrar, excluir e aniquilar. E é urgente fazermos isso agora, desobedientemente, sem medo de assumirmos politicamente a rebeldia do oprimido que se revolta e não aceita as bases da vida desumanizada que lhe está sendo imposta. Se nos calarmos neste momento, talvez amanhã não possamos dizer mais nada.

--
Prof. Luiz Mello
Faculdade de Ciências Sociais
Universidade Federal de Goiás
62 9290 7920
62 3521 1343
www.cienciassociais.ufg.br
www.sertao.ufg.br

sábado, 16 de outubro de 2010

Tempos difíceis


Tomei a liberdade de republicar na íntegra o texto de Don Diego, o melhor que li até agora sobre o segundo turno das eleições.

Dilma, os gays e sua vitória de Pirro

Dilma Rousseff pode ter colocado a pá de cal definitiva em sua candidatura à presidência. Ao comprometer-se a assinar uma carta contra medidas como o aborto e o casamento gay, espera conquistar os votos de milhares de evangélicos e católicos pelo país, mas ignora que pode perder milhões de outros votos, daquelas mulheres e famílias que são favoráveis ao aborto, dos milhares de homens gays e mulheres lésbicas (e de suas famílias), assumidos ou não, que (a candidata parece ignorar) também votam (o voto ainda é secreto) e, principalmente, daqueles que não concordam com as posições extremistas e/ou com as intromissões das igrejas em assuntos de Estado. Sim, somos milhões e todos votamos.

Dilma justificou sua posição dizendo, por exemplo, que “O Estado será laico”. Como acreditar minimamente na candidata, se ela se dobra à vontade dos setores religiosos da sociedade mesmo antes de eleita, ignorando os notáveis avanços mundiais nos mesmos assuntos nos quais ela agora prega posições conservadoras, reforçando a tese de que o Brasil se encontra 50 anos atrasado em relação aos Estados Unidos no que se refere à direitos humanos? Tal comparação foi feita na época da eleição de Obama, ao se ponderar a (im)possibilidade de um presidente negro ser eleito no Brasil.

Se de fato Dilma pretendesse um Estado laico, não se submeteria à situação na qual se colocou no encontro da última quarta-feira com os líderes religiosos.

A candidata disse também: “Não posso dar direito a uns e tirar de outros. A parte relativa a condenar o preconceito contra o homossexual nós todos temos que endossar. Agora, a parte relativa a criminalizar as igrejas é um absurdo”

O que ela parece não enxergar é que a visão passada pelos pastores e padres ao atacarem gays e lésbicas a partir do que consideram uma interpretação certa da Bíblia ecoa fora das Igrejas, mais do que tudo. Nem é preciso recorrer a exemplos distantes: basta olhar atualmente as centenas de outdoors espalhados pela cidade pelo pastor Silas Malafaia, obviamente se dirigindo a gays. Dilma ignora óbvios ululantes como esse agora? Esse é o verdadeiro absurdo.

Saindo das igrejas com mensagens de desprezo e ódio à gays e lésbicas, famílias podem oprimir filhos homossexuais acreditando estarem cumprindo a vontade de Deus e podem expulsá-los de casa, crimes violentos de ódio podem se alastrar, como se os gays fossem culpados dos flagelos da humanidade, o bullying nas escolas pode aumentar, já que crianças e adolescentes tendem a repetir padrões de comportamento e professores e diretores de instituições, que deveriam formar e informar, podem fazer muitas vezes vista grossa por deixarem seus posicionamentos pessoais prevalecerem.

Sobre a frase absurda da candidata de que não pode “dar direito a uns e tirar do outros”, o que nós pedimos é simplesmente o direito de não sermos agredidos verbal e moralmente, de não sermos humilhados e vistos como a escória da civilização humana ou representantes da Besta porque determinada religião interpreta assim. Direitos como esse são básicos; e não algo que possa ser usado como moeda de troca por votos, como parece crer Dilma.

Se por um acaso sua frase procedesse, onde está sua promessa então de revogar a lei de intolerância religiosa, para que eu e outros que discordamos frontalmente das práticas conservadoras de igrejas atuais possamos nos expressar livre e enfaticamente (como fazem os pastores e padres hoje em relação aos gays) contra o que consideramos absurdos e abusos medievais? Não é meu direito protestar e dizer o que penso, então? Ou é direito de credo deles fazer o que acham certo e eu sou obrigado a respeitar por causa da Lei Caó? A recíproca não é verdadeira? Eu e outros não poderíamos ter “nossos direitos tirados” para ser “dado a outros” (padres e pastores).

Dilma Rousseff também ignora a figura do casamento civil. Embora existam igrejas evangélicas como a Cristã Contemporânea, na Lapa, no Rio de Janeiro, que aceita gays e realiza casamentos entre pessoas do mesmo sexo, a imensa maioria dos homossexuais busca basicamente as seguranças jurídicas e de direitos que o casamento civil oferece, não apenas as limitadas opções da união civil. A candidata ignora solenemente tal opção.

Faz exatos dois meses que o casamento gay foi aprovado na Argentina. Que eu saiba, o país não sofreu nenhuma praga bíblica por causa disso, não foi invadido por gafanhotos nem pela peste, nem foi punido “pela ira dos céus” como se fosse a versão atual de Sodoma e Gomorra. Apenas mais pessoas puderam casar com os cônjuges que amam, de sua escolha, e puderam ter, afinal, vislumbres da felicidade que lhes foi negada tanto tempo.

Fico muito triste e sinto imensa vergonha como cidadão brasileiro ao ter que escolher entre dois candidatos que favorecem setores religiosos em troca de votos para vencer uma corrida eleitoral, às custas da dor que milhares de pessoas que sofrem, muitas vezes caladas e sozinhas, por questões que não deveriam entrar na seara política pra começo de conversa.

É humilhante como cidadão gay brasileiro ser tratado como se eu não existisse e/ou meu voto e dos meus iguais não fosse nada importante e relevante.

Penso sinceramente em abandonar meu país, em busca de um local onde possa exercer , pelo menos, o ato de afeto mais simples e singelo que se pode pensar, o de andar de mãos dadas, sem me preocupar se eu vou sofrer agressões morais (e físicas) nas ruas, shoppings, parques e restaurantes provocadas por pessoas que freqüentam igrejas ou cultos que tem respaldo para propagar suas crenças excludentes de ninguém menos que (o) a presidente da República.

Dilma Rousseff, acredito que, caso você vença, sua vitória será, indubitavelmente, uma vitória de Pirro. Serra se insistir nesse assunto deve ir pelo mesmo caminho.

E nem ganhamos beijo na boca

Os dois candidatos tinham posições semelhantes em questões como direito da mulher ao aborto e direitos civis gays. Ou seja, nos venderam aos evangélicos POR NADA. Nessa história, só a gente se lascou.

Muito boa a carta da ABGLT aos candidatos convertidos:

Prezada Dilma e Prezado Serra,

A Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais – ABGLT, é uma entidade que congrega 237 organizações da sociedade civil em todos Estados do Brasil. Tem como missão a promoção da cidadania e defesa dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, contribuindo para a construção de uma democracia sem quaisquer formas de discriminação, afirmando a livre orientação sexual e identidades de gênero.

Assim sendo, nos dirigimos a ambas as candidaturas à Presidência da República para pedir respeito: respeito à democracia, respeito à cidadania de todos e de todas, respeito à diversidade sexual, respeito à pluralidade cultural e religiosa.

Respeito aos direitos humanos e, principalmente, respeito à laicidade do Estado, à separação entre religião e esfera pública, e à garantia da divisão dos Poderes, de tal modo que o Executivo não interfira no Legislativo ou Judiciário, e vice-versa, conforme estabelece o artigo 2º da Constituição Federal: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

Nos últimos dias, temos assistido, perplexos, à instrumentalização de sentimentos religiosos e concepções moralistas na disputa eleitoral.

Não é aceitável que o preconceito, o machismo e a homofobia sejam estimulados por discursos de alguns grupos fundamentalistas e ganhem espaço privilegiado em plena campanha presidencial.

O Estado brasileiro é laico. O avanço da democracia brasileira é que tem nos permitido pautar, nos últimos anos, os direitos civis dos homossexuais e combater a homofobia. Também tem nos permitido realizar a promoção da autonomia das mulheres e combater o machismo, entre os demais avanços alcançados. O progresso não pode parar.

Por isso, causa extrema preocupação constatar a tentativa de utilização da fé de milhões de brasileiros e brasileiras para influir no resultado das eleições presidenciais que vivenciamos. Nos últimos dias, ficou clara a inescrupulosa disposição de determinados grupos conservadores da sociedade a disseminar o ódio na política em nome de supostos valores religiosos. Não podemos aceitar esta tentativa de utilização do medo como orientador de nossos processos políticos. Não podemos aceitar que nosso processo eleitoral seja confundido com uma escolha de posicionamentos religiosos de candidatos e eleitores. Não podemos aceitar que estimulem o ódio entre nosso povo.

O que o movimento LGBT e o movimento de mulheres defendem é apenas e tão somente o respeito à democracia, aos direitos civis, à autonomia individual. Queremos ter o direito à igualdade proclamada pela Constituição Federal, queremos ter nossos direitos civis, queremos o reconhecimento dos nossos direitos humanos. Nossa pauta passa, portanto, entre outras questões, pelo imediato reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo e pela criminalização da discriminação e da violência homofóbica.

Cara Dilma e Caro Serra

Por favor, voltem a conduzir o debate para o campo das ideias e do confronto programático, sem ataques pessoais, sem alimentar intrigas e boatos.

Nós da ABGLT sabemos que o núcleo das diferenças entre vocês (e entre PT e PSDB) não está na defesa dos direitos da população LGBT ou na visão de que o aborto é um problema de saúde pública.

Candidato Serra: o senhor, como ministro da saúde, implantou uma política progressista de combate à epidemia do HIV/Aids e normatizou o aborto legal no SUS. Aquele governo federal que o senhor integrou também elaborou os Programas Nacionais de Direitos Humanos I e II, que já contemplavam questões dos direitos humanos das pessoas LGBT. Como prefeito e governador, o senhor criou as Coordenadorias da Diversidade Sexual, esteve na Parada LGBT de São Paulo e apoiou diversas iniciativas em favor da população LGBT.

Candidata Dilma: a senhora ajudou a coordenar o governo que mais fez pela população LGBT, que criou o programa Brasil sem Homofobia, e o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT, com diversas ações. A senhora assinou, junto com o presidente Lula, o decreto de Convocação da I Conferência LGBT do mundo. A senhora já disse, inúmeras vezes, que o aborto é uma questão de saúde pública e não uma questão de polícia.

Portanto, candidatos, não maculem suas biografias e trajetórias. Não neguem seu passado de luta contra o obscurantismo.

A ABGLT acredita na democracia, e num país onde caibam todos seus 190 milhões de habitantes e não apenas a parcela que quer impor suas ideias baseadas numa única visão de mundo. Vivemos num país da diversidade e da pluralidade.

É hora de retomar o debate de propostas para políticas de governo e de Estado, que possam contribuir para o avanço da nação brasileira, incluindo a segurança pública, a educação, a saúde, a cultura, o emprego, a distribuição de renda, a economia, o acesso a políticas públicas para todos e todas!

Eleições 2010, segundo turno, em 15 de outubro de 2010.

ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais