Escrevi algumas sugestões baseadas em resultados de pesquisas que ajudam a explicar a raiz dessas crenças e como lidar (e como não lidar) com elas.
Uma das coisas com a qual temos tido mais dificuldade na pesquisa de desinformação/teoria da conspiração é que a contra-informação (informação corrigida, EVIDÊNCIA FACTUAL EMPÍRICA) tem MUITO POUCO efeito nas crenças das pessoas, quando essas crenças têm raízes em identidades políticas e sociais.
Em outras palavras, para muitas dessas pessoas a evidência, a ciência, os fatos não tem a menor importância.
Por exemplo, se os seus pais confiam no Bolsonaro e desconfiam da ciência/mídia/judiciário enquanto instituições, e eles se identificam com pessoas ou grupos que pensam em si mesmos como "pessoas que estão por dentro" ou que sabem "a verdade verdadeira”, então usando informação e argumentação e evidências é pouco provável que você os atinja.
Isso é tão frustrante.
É de enlouquecer.
É pior que bater a cabeça na parede.
MAS não é uma causa perdida.
Muitas dessas pessoas são profundamente descrentes das instituições e das elites (exceto do Bolsonaro, porque ele joga com tudo isso e finge que é UM CARA DO POVO). Típica babaquice demagoga populista… (acompanhe a @jenmercieca para entender como ele faz isso).
Disseram a essas pessoas que as elites, os políticos e os jornalistas não têm respeito por eles. Eles têm animus profundamente enraizado (de raça, classe, etc…) que foi explorado pela mídia de direita e por políticos que lembram a eles constantemente que eles estão sendo sacaneados (veja cultura do cancelamento).
Tudo isso se alimenta na necessidade dessas pessoas em acreditar em narrativas alternativas e em teorias da conspiração porque acham que a grande mídia e as instituições mainstream vão ferrar com eles (ou fazer com que continuem se ferrando). Então, informação que vem dessas ou por essas instituições é suspeita.
Assim, o único caminho *real* possível de ser feito é por conexões emocionais com contatos amorosos e em quem a pessoa confie, baseado NÃO na informação mas em conexões e questionamentos emocionais.
Eu sei. As pessoas suspiram e rolam os olhos quando eu digo essas coisas. Sim, é de lascar.
Eu não estou falando em conversar amorosamente com o bolsominion do posto de gasolina que está gritando com você para tirar sua máscara porque a COVID é uma mentira. Estou falando de amigos e familiares que foram perdidos nessa "conspiratopia" gerada pela elite (ou seja, Bolsonaro, empresários, militares).
Já que a "oposição psicológica" é ENORME em pessoas que se sentem desrespeitadas e difamadas, o pulo do gato é estabelecer condições em que elas baixem a guarda.
Oposição psicológica é uma combinação de raiva e contra-argumentação ativa à informações. É um pesadelo para campanhas de persuasão. A chave então é desligar esse processo antes que comece.
Na comunicação de questões de saúde, desenvolvedores de campanhas geralmente fazem isso misturando informação em estórias e novelas. Com relações interpessoais, o segredo é capitalizar o amor e confiança que existe entre os indivíduos.
Na minha experiência, se fazer de boba e neutra e de coração aberto leva a gente longe.
E antes que você me diga que você não devia precisar fazer isso - é, não me diga! Mas, aparentemente, nós temos que passar por isso se queremos manter relações com essas pessoas e se queremos que nossas pessoas amadas continuem existindo nessa nossa comunidade baseada em realidade.
Por exemplo, imagine um pai ou mãe que não quer ser vacinado porque acredita em todo tipo de idiotice sobre vacina.
"Eu entendo totalmente sua preocupação. O mundo está de cabeça pra baixo e é difícil saber em que informação confiar. De toda forma, a decisão é sua. Mas eu ia ficar arrasada se você não pudesse participar das suas coisas habituais ou encontrar seus amigos porque não foi vacinado".
Também pode ser que ajude se apoiar em outras fontes relevantes. Eles confiam nos médicos deles? Algumas vezes até mesmo os adeptos de teorias da conspiração confiam em seus PRÓPRIOS MÉDICOS. Talvez alguma coisa tipo "eu te entendo. São tempos assustadores. Você perguntou à doutora xxx o que ela acha que você devia fazer? Quem sabe a gente pergunta aos seus médicos se eles vão se vacinar?"
Talvez batendo NÃO em evidências científias empíricas, mas em dicas visuais e emocionais poderosas: "Tenho amigas que são enfermeiras e médicas que estavam tão felizes quando foram vacinas que choraram. Elas acham que é uma coisa que vai salvar a vida delas..."
Fazer perguntas genéricas pode ajudar também, sempre precedidas por uma fala que sivra de "tapete de boas vindas". "Eu entendo que você esteja com raiva. Se eu estivesse no seu lugar eu também estaria puta. Mas e se as pessoas que ficam trabalhando para te deixar brava o tempo todo tenham algo a ganhar com a sua raiva?"
A parte racial disso tudo é a mais complicada. Não digo que saiba as respostas. Minha única sugestão é que pessoas orgulhosas não querem ser o joão bobo de ninguém. E explorar o medo que os brancos de classe média têm dos corpos negros e pardos é a jogada mais velha do mundo.
De novo: olhos arregalados, curiosa, se fazendo de boba: "Por que será que o Datena diz que bandido bom é bandido morto, mãe?"
"Mãe, sabia que o Datena recebe 9 milhões por ano?" (de novo, olhos arregalados, sem julgamento)
Sugestão, quando for lidar com conservadores nas questões sociais ou culturais, não diga "eu lí que o Datena ganha 9 milhões por ano" ou "eu vi numa reportagem que o Datena..." porque aí a resposta será "você só pode ter visto isso na Globolixo". Apresente como sendo VERDADE, não como evidência.
Um outro detalhe que eu acho muito útil vem do trabalho maravilhoso de @RKellyGarrett e Brian Weeks. Algumas pessoas têm a tendência de chegar a conclusões sobre o mundo pelas suas intuição.
Acreditam no que DÁ A SENSAÇÃO de ser verdade. Não em evidências empíricas, mas em intuição. Essas pessoas têm mais chance de se apegar a percepções erradas e a acreditar em teorias da conspiração.
De acordo com pesquisas na psicologia do conservadorismo social/cultural, parece que essas pessoas que se guiam no mundo pela intuição têm uma tendência maior a ter grande necessidade de encerramentos (closure) e a tomar decisões heurísticas… que tendam para o lado do conservadorismo social/cultural.
Então, é claro que informações e fatos e evidências empíricas vão ser ineficientes. É sobre o que "dá a sensação de que está certo" e o que "dá a sensação de que está errado".
Isso significa que essas crenças são guiadas por valores, identidade social, e pistas no ambiente da pessoa que indicam a elas o que é verdade.
Valores: identidade social, sinais, emoções,
Por causa do mundo em que essas pessoas estão neste momento, as construções mais relevantes dentro de cada uma dessas categorias provavelmente é:
Valores: tradicionalismo e nacionalismo
Identidade social: bolsonarismo, pessoa de bem, conservador, eleitor da direita
Sinais: pró bolsonaro, Record, Terça Livre
Emoções: raiva, ressentimento
Então, a forma de recuperar esses amigos e parentes queridos é diluir essas forças com outras (novas ou antigas):
Valores: família e amizade
Identidade social: mãe, irmã, pai, amigo
Sinais: amigos e familiares amorosos e sem julgamento
Emoções: amor, carinho, respeito
Isso não é fácil. E não vai rolar da noite para o dia. Não, nós não QUEREMOS fazer isso. É exaustivo e é uma merda. Eu sei. Mas se a gente lava as mãos, o que acontece? Vamos só assistir essas pessoas irem boiando em direção ao abismo que foi manufaturado para explorar as suas intuições e emoções para dar lucro e poder a alguém? De formas que resultam em finais perigosos/mortais para ELAS e para a DEMOCRACIA?
Pois é, também acho que não.
PS: Se você leu isso e acha que estou dizendo que você precisa investir na sua relação com seu tio racista, homofóbico e raivoso… uh, não. Essas dicas são para quem está lutando para se conectar com pessoas amadas que caíram no buraco dos infernos nos últimos anos.
O texto original é da Dr. Danna Young, professora de Comunicação e Ciências Políticas na Universidade de Delaware, Estados Unidos, autora do livro Irony & Outrage (Oxford): As ideias dela estão aqui também