terça-feira, 8 de março de 2011
EXCLUSIVO- Fátima Cleide vê chances reais de o Congresso aprovar a criminalização da homofobia
“Não abandonarei a luta contra o preconceito e a discriminação e pelos avanços dos Direitos Humanos. Onde quer que eu esteja, estarei atuando em defesa da vida de todas as pessoas” garante com firmeza, em entrevista exclusiva ao blog, a ex-senadora Fátima Cleide (PT-RO), que ficou conhecida na comunidade LGBT por ser a relatora do famoso projeto de Lei da Câmara (PLC) 122/2006, que torna crime a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, popularmente conhecido com “o projeto que criminaliza a homofobia”.
Fátima, responsável pelas alterações aprovadas pelo Senado à proposta, acredita que a atual conjuntura política - com Marta Suplicy (PT-SP) vice-presidente do Senado e mostrando disposição em lutar pelos direitos LGBTs - traz chances reais de vermos, enfim, a criminalização da homofobia no Brasil.
Longe do Senado desde o início de fevereiro, Fátima Cleide ainda luta na Justiça pela vaga que atualmente está ocupada por outro candidato e tem esperança de voltar à cena política ainda nessa legislatura. Apesar de a sua atuação na defesa dos direitos gays ter sido usada contra ela durante a campanha eleitoral, Fátima não atribui a isso sua posição em terceiro lugar nas eleições, e sim ao poderia econômico dos adversários. Reconhece que foi prejudicada eleitoralmente por ter adotado a bandeira dos direitos LGBT, mas não se arrepende, uma vez que sua atuação tornou possível que a discussão dos direitos humanos tenha avançado no Brasil.
Para a senadora, os argumentos contrários ao PLC 122/2006 são apenas a expressão do preconceito com relação aos direitos das pessoas LGBTs. O projeto equipara a discriminação por orientação sexual à discriminação de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, sexo e gênero, ficando o autor do crime sujeito a pena de reclusão e multa.
Para Fátima, a argumentação contrária é formada por julgamentos emocionais, defendidos uma minoria barulhenta e extremamente homofóbica e que propaga um ideário extremamente perigoso que ameaça, inclusive, a laicidade do Estado no Brasil.
Entre os melhores momentos do período em que foi relatora da proposta, Fátima cita a evolução da sociedade no entendimento de que os direitos das pessoas LGBTs são direitos humanos e a participação dos cidadãos LGBT que, apesar da dor de ver barrados seus direitos por opressão ou por omissão, sempre mantiveram a alegria de participar e acreditar que é possível a vitória da democracia.
Os piores momentos, conta, foram aqueles em que que relatou o assassinato de pessoas por conta de sua orientação sexual, especialmente a morte de Alexandre Ivo, cuja foto Fátima Cleide levou a Plenário do Senado.
- O PLC 122/2006 atraiu muita atenção dos setores conservadores por ser o único favorável aos direitos LGBT que já esteve mais próximo de virar lei. Foi o único projeto favorável aos gays já aprovado em uma das duas casas do Congresso. Por isso, recebeu no Senado toda a artilharia dos homofóbicos. A senhora deve ter muitas histórias para contar sobre o período que foi relatora desse projeto, gostaria de compartilhar alguma?
- A história da relatoria do PLC122, para mim, tem muito mais eventos interessantes do ponto de vista da participação popular, da evolução do entendimento de que tratar dos direitos das pessoas LGBT's é tratar de Direitos Humanos. Lógico, que há muita tristeza, pois afinal, estamos tratando de vidas humanas desprezadas pelo Congresso Nacional naquilo que há de mais elementar no Direito Humano, que é o direito à vida. E constatar que o preconceito que está enrraigado em nossa sociedade continua gerando discriminação e violência que leva à morte uma pessoa a cada dois dias em nosso país, não é nada agradável. Mas o crescimento do movimento em defesa da cidadania LGBT e da consciência de que devemos criminalizar atos e posturas preconceituosas e discriminatórias é algo de extraordinário e é sempre muito bom poder participar de todo esse processo.
- De que trata o PLC 122/2006?
- O PLC 122 altera a Lei 7.716, que criminaliza o preconceito e a discriminação racial, para incluir a criminalização da discriminação e o preconceito de gênero, origem, orientação sexual, e, após a aprovação do substitutivo que apresentei na CAS (Comissão de Assuntos Sociais do Senado), essa proteção legal é garantida também para pessoas com deficiência e idosos.
- Ele discrimina os heterossexuais?
Não é verdade que o PLC discrimina heterossexuais. Ele busca criminalizar toda e qualquer forma de discriminação e preconceito,
- As mudanças propostas em seu substitutivo aprovado na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) ajudaram o projeto a ser melhor aceito pelos conservadores?
- As mudanças que fizemos tiveram o intuito de ampliar a proteção legal contra o preconceito e discriminação, tornando o projeto mais claro, mais enxuto e assegurando a criminalização. Parecia-nos mais fácil de conseguirmos o consenso, pois várias questões levantadas pelos seus opositores foram consideradas e retiradas com a nova redação. Porém, este esforço não foi suficiente para garantir a tramitação do projeto de forma mais rápida. Ao contrário, os opositores acirraram suas posições, demonstrando sua falta de compromisso com o respeito às diferenças.
- Me parece que os argumentos contra o PLC são emocionais. Dizer, por exemplo, que a proposta limita a liberdade de expressão não tem lógica, se o projeto altera uma lei que já existe e protege, inclusive, a discriminação por religião e raça. O que a senhora teria a dizer sobre os argumentos contrários ao projeto de lei?
- Repito: os argumentos contrários à aprovação do PLC122 são apenas a expressão do preconceito com relação aos direitos das pessoas LGBTs. Ignoram nossos esforços de dialógo e busca de acordo, bem como a ampliação da proteção legal que propomos no substitutivo (aprovado no Senado). O pior é que no uso de argumentos emocionais se vê claramente a intenção de propalar ou propagar um ideário extremamente perigoso, que desconsidera inclusive a laicidade do Estado brasileiro, garantida na Constituição Federal.
- Com a aprovação do substitutivo a proposta volará a ser examinada pela Câmara dos Deputados. O fato de o projeto precisar voltar à Câmara, onde a bancada evangélica é maior, não torna sua aprovação mais difícil?
- Eu creio que o problema na tramitação do PLC não está no seu retorno à Câmara e sim na oposição de uma minoria barulhenta que deixa no constrangimento (geralmente de caráter eleitoreiro) a maioria que deseja o avanço dos Direitos Humanos. Esta minoria se aloja nas duas casas do Congresso Nacional.
- O que tem de mais importante no projeto?
O mais importante na aprovação é a criminalização do preconceito e discriminação. Para mim, ele já deixou de ser o "projeto de criminalização da homofobia" apenas e passou a ter um caráter muito mais abrangente, que é o de combater a todas as formas de discriminação e preconceito.
- O que tem de negativo no PLC 122/2006?
- A oposição à sua aprovação, que representa um retrocesso nos Direitos Humanos e uma postura de omissão do Congresso Nacional no seu papel de legislador.
- A senhora foi muito prejudicada por ter lutado pelos direitos LGBT?
- Eu e muitos companheiros e companheiras que levantam a bandeira dos direitos humanos. Mas não me arrependo. Como toda caminhada exige um primeiro passo, eu tenho a consciência tranquila por ter participado do processo de discussão do PLC122. Essa é uma construção coletiva em que o movimento social, principalmente os representantes da causa LGBT, tiveram um papel fundamental, o de manter acesa a chama do debate na sociedade. Por sua vez, o Executivo, sob a coordenação do presidente Lula, avançou na construção e execução de políticas públicas para o setor e, no Legislativo, embora o emperramento das propostas legislativas, tivemos a articulação de parlamentares que mantiveram o debate e a defesa da ampliação de direitos.
- A senhora chegou a aparecer como reeleita no site do TSE e depois a vaga foi garantida a outro candidato. Em que situação está essa decisão? Tem a ver com a aplicação da lei da Ficha Limpa? Ainda há chance de a senhora ser eleita?
- Lutarei para voltar ao Senado Federal na Justiça, buscando reparação de ações ilegais durante o processo eleitoral de 2010. A lei existe para ser cumprida por todos e é isto que estou cobrando na Justiça. Isto Independe da Lei do Ficha Limpa. Fiquei em terceiro lugar na disputa eleitoral enfrentando máquinas adversárias poderosíssimas, tanto política como economicamente falando. Não atribuo minha não eleição à defesa dos direitos LGBTs. Claro, que isto foi usado de forma sorrateira e covarde contra mim, por adversários na disputa. Porém, acredito que o que determinou a não eleição foi mesmo o poderio econômico que enfrentei.
- Caso não consiga na Justiça garantir sua vaga no Senado, qual a próxima eleição que a senhora disputará?
- Meu projeto político no momento é manter-me firme no propósito de retornar ao Senado Federal nesta legislatura. Como disse antes, a Lei é para todos e deve ser cumprida e observada por todos. Usar de subterfúgios para burlar a lei torna a eleição ilegal. O reconhecimento deste fato pela Justiça Eleitoral não só fará com que acreditemos na Justiça como também será um elemento orientador para as próximas disputas eleitorais. Caso a Justiça tenha parecer contrário, estará passando para a sociedade um recado no mínimo, incentivador. Isto é, estará dizendo que o crime,em sendo eleitoral, compensa!
- De todo esse período em que a senhora lutou pela aprovação do PLC 122, qual foi o melhor momento? E o pior?
- Durante todo o período em que participei ativamente de discussões acerca da criminalização do preconceito e discriminação tive muitos momentos positivos, em que a força do movimento social se fez presente e, apesar da dor de ver barrados seus direitos por opressão ou por omissão, sempre manteve a alegria de participar e acreditar que é possível a vitória da democracia. Os momentos piores foram aqueles em que tive que relatar com muita dor, a morte bárbara de uma pessoa por conta de sua orientação sexual. Em especial, faço questão de ressaltar, a morte do adolescente Alexandre Ivo, em junho de 2009, no Rio de Janeiro. (Alexandre Ivo foi assassinado à pauladas, em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, aos 14 anos de idade, quando saía de uma festa onde havia frequentadores gays. Os acusados pelo crime estão soltos).
- Apesar de toda a pressão que recebeu, a senhora pretende continuar lutando contra o preconceito em todas as suas formas, incluindo a homofobia?
- Não abandonarei a luta contra o preconceito e a discriminação e pelos avanços dos Direitos Humanos. Onde quer que eu esteja, estarei atuando em defesa da vida de todas as pessoas.
-A senhora está esperançosa em relação à aprovação do projeto nessa legislatura? Mantém contato com os parlamentares que trabalham nesse sentido?
- Vejo com muita alegria a primeira vitória do PLC 122 neste ano de 2011, que foi a aprovação do requerimento de desarquivamento impetrado pela senadora Marta Suplicy (PT-SP). Com o seu retorno ao Congresso Nacional, ganhamos com a sua presença na Mesa como vice-presidente do Senado e ganhamos o reforço importante de quem tem autoridade para cuidar do tema, haja visto ter sido a primeira parlamentar neste país a levantar a bandeira do arco-íris e da igualdade de direitos no Congresso Nacional. Esta conjuntura me leva a crer que teremos chances reais de fazer tramitar o projeto e, enfim, ver aprovada a criminalização da homofobia.
A reprodução desse texto é autorizada, desde que citada a fonte.
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