Essa é uma tradução livre da carta que Michael Tolliver - personagem da série Tales of The City, do norte-americano Armistead Maupin - escreveu para a mãe. A carta foi escrita em 1977 e publicada pela primeira vez no jornal San Francisco Chronicle, mas, como o próprio Maupin reconheceu em entrevista recente, ainda é usada com adaptações por muitos gays para saírem do armário junto aos pais. A carta orginal em inglês pode ser lida aqui.
Querida mamãe,
Desculpe ter demorado tanto para escrever. Toda vez que tento escrever para você ou para o papai percebo que não estou dizendo as coisas que estão no meu coração. Isso não faria diferença se eu os amasse menos do que eu amo, mas vocês ainda são meus pais e eu ainda sou seu filho.
Tenho amigos que pensam que é bobagem eu escrever essa carta. Espero que eles estejam errados. Espero que as dúvidas deles sejam baseadas em pais que amam e confiam neles menos do que meus pais me amam e confiam em mim. Espero, especialmente, que você vá ver isso como um ato de amor da minha parte, um sinal do meu desejo de continuar compartilhando minha vida com vocês.
Eu não teria escrito, imagino, se você não tivesse me contado sobre seu envolvimento na campanha Save Our Children (salve nossas crianças, campanha da direita cristã fundamentalista que ocorreu nos EUA nos anos 70). Isso, mas do que qualquer outra coisa, deixou claro para mim que minha responsabilidade é contar a vocês a verdade, que o seu próprio filho é homossexual e que eu nunca precisei de salvação exceto da piedade cruel e ignorante de pessoas como Anita Bryant (líder da campanha).
Sinto muito, mãe. Não pelo que sou, mas pela forma como você deve estar se sentido nesse momento. Sei como é esse sentimento, porque eu o senti a maior parte da minha vida. Náusea, vergonha, incredulidade - rejeição pelo medo que os outros têm de algo que eu sempre soube, mesmo quando criança, que era tão básico da minha natureza quanto a cor dos meus olhos.
Não, mãe, eu não fui "recrutado". Nenhum homossexual maduro serviu como meu mentor.
Mas sabe uma coisa? Eu gostaria que alguém tivesse feito esse papel. Eu queria que alguém mais velho e mais sábio do que as pessoas de Orlando (onde o personagem viveu a infância e adolescência) tivesse me levado para um canto e tivesse dito: "você é ok, cara. Você pode crescer e virar um médico ou um professor como qualquer outra pessoa. Você não é louco ou doente ou mau. Você pode ter uma vida de sucesso e ser feliz e encontrar paz com seus amigos - todo tipo de amigos - pessoas que não dão a mínima para com quem você vai para a cama. Mas, acima de tudo, você pode amar e ser amado sem se odiar por isso."
Mas ninguém nunca me disse isso, mãe. Eu tive que descobrir sozinho, com a ajuda da cidade que se tornou meu lar. Talvez seja difícil para você acreditar, mas San Francisco é cheia de homens e mulheres, héteros e gays, que não consideram a sexualidade como medida do valor de outro ser humano.
Não são radicais e malucos, mãe. São balconistas, banqueiros, velhinhas, pessoas que acenam e sorriem quando você as encontra no ônibus. A atitude dessas pessoas não é paternalista nem piedosa. E a mensagem deles é tão simples: sim, você é uma pessoa. Sim, nós gostamos de você. Sim, tudo bem você gostar de mim também.
Eu sei o que você deve estar pensando agora. Você deve estar se perguntando: o que nós fizemos de errado? Como deixamos isso acontecer? Qual de nós dois o fizemos desse jeito?
Não posso responder isso, mãe. Mas para falar a verdade, eu acho que na verdade não me importo. Tudo que sei é isso: se você ou o papai são responsáveis pela forma como eu sou, então eu agradeço a vocês de todo o coração, porque essa é a luz e a alegria da minha vida.
Eu sei que não há como lhe dizer o que é ser gay. Mas posso dizer o que não é.
Não é se esconder atrás de palavras, mãe. Como família, decência ou cristianismo. Não é temer o seu corpo, ou os prazeres que deus fez para ele. Não é julgar seu vizinho, a não ser quando esse vizinho é grosso e cruel.
Ser gay me ensinou a ser tolerante, a ter compaixão e humildade. Me mostrou as possibilidades ilimitadas da vida. Me trouxe pessoas cuja paixão, gentileza e sensibilidade foram para mim uma fonte constante de força.
Me trouxe para a família da humanidade, mãe, e eu gosto daqui. Eu gosto.
Não há muito mais que eu possa dizer, só que eu sou o mesmo Michael que vocês sempre conheceram. Vocês só me conhecem melhor agora. Eu nunca fiz conscientemente nada para ferir vocês. Eu nunca farei.
Por favor, não sinta como se você tivesse que responder logo essa carta. É o bastante para mim saber que eu não preciso mais mentir para as pessoas que me ensinaram o valor da verdade.
Mary Ann manda beijos.
Tudo está bem na Barbary Lane, número 28.
Com amor, seu filho,
Michael
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