quarta-feira, 3 de junho de 2009

Identidade gay


Surgiu na imprensa e em blogs uma interessante discussão sobe identidade gay/lésbica porque as moças do Sul que conseguiram registrar os filhos no nome de ambas não se consideram homossexuais. Esse é um tema que me interessa bastante. Para o público em geral com certeza é uma discussão bastante nova e é ótimo que tenha surgido. No meio acadêmico dos estudos gays e lésbicos esse é um tema sobre o qual muitos livros já foram escritos. É um assunto sempre interessante, instigante e tem a capacidade de mexer com sentimentos profundos.
A questão da identidade homossexual foi uma das que mais me intrigou na época em que eu estudei o assunto para meu mestrado e tenho um artigo publicado sobre o assunto. Qualquer hora ponho o texto aqui no blog.
Na verdade, ninguém vai querer se identificar como homossexual, até porque ninguém se identifica como heterossexual. Claro que duas moças inteligentes, classe média, professoras universitárias, com dois filhos para proteger do mundo não vão querer um rótulo pejorativo que vem sempre ligado na imprensa e no senso comum a termos como doença, vergonha, crime, fobia e outras cositas nessa linha. É compreensível que, sendo psicanalistas, as mulheres da reportagem tenham um discurso centrado em suas próprias percepções e tenham estruturado a construção de uma identidade orientada por seus próprios argumentos e sentimentos.
Mas a grande questão - que aprendi estudando, pensando e vivendo - é que a identidade não vem só de dentro. Vem muito mais de fora. De que adianta uma pessoa negra dizer que não é negra se vai ser discriminada como negra? Pergunte a qualquer pastor homofóbico ou padre moralista o que são essas duas moças. Pergunte a um juiz de paz o que são essas moças se elas quiserem se casar. Pergunte ao vizinho crente ou ao velhinho que joga dominó na esquina. Ao gerente do banco na hora de um empréstimo imobiliário, á Receita Federal.
Eu, por mim, no meu íntimo, no conforto do meu self, não me considero homossexual, sou muito mais rica do que isso, muito mais criativa, com muito mais nuances. Mesmo na teoria acadêmica minha visão é queer, de uma sexualidade fluida. Mas na negociação diária da realidade com os vizinhos, colegas de trabalho, familiares, autoridades, com a lei, com os clubes de lazer, planos de saúde, com os cartórios que fazem testamentos e casamentos, não tenha dúvida, eu sou homossexual. E as duas moças da revista também são. Tanto é que ao realizarem um ato trivial - registrar os filhos - viraram reportagem de revista e estão em todo canto, inclusive nos nossos blogs.
Vai ser ótimo se algum dia a humanidade chegar a um ponto em que a questão de quem amamos não nos definir por inteiro. Espero que esse dia chegue logo. Como disse Freud quando lhe contaram que estavam queimando seus livros na Alemanha nazista: "evoluímos muito, se fosse há um tempo atrás era eu quem estaria sendo queimado". Mas negar esse intrincado relacionamento social de poder - de quem diz a verdade e quem nos define - não muda as limitações e discriminações que nos são impostas, por mais lindinho, quentinho e articulado que seja nosso discurso. Na rua, somos as sapatões. Elas também.

4 pitacos:

Marcia Paula disse...

Eu também achei muito interessante a postura delas. Para mim é uma grande novidade algo assim entre duas mulheres,mas não vou me estender: respeito o ponto de vista,afinal a vida é delas e ao contrário da sua teoria de uma sexualidade fluida e queer eu prefiro simplificar sempre: nasci lésbica e assim vou morrer...rsrsrs.Beijos.

Sil disse...

A discussão sobre esse assunto tá muito legal nesse blog aqui http://lebiscoito.wordpress.com/2009/06/03/a-primeira-familia-de-duas-mulheres-nao-gays/

Acho que nem todo mundo tem essa clareza de que é lésbica... ou nem todo mundo consegue aceitar, né? A pressão social é imensa, nem todo mundo é tão forte...

Unknown disse...

acompanho seu blog sempre, adorei o post e mandei minha opinião para a discussão! abraço

Sil disse...

Oi Barbara, que bom que você gosta do blog. Vou lá dar uma olhadinha como anda a discussáo.